Como citar este texto: RIETHER, G. Pavilhão AIA, um sistema flexível de blocos construtivos celulares. Traduzido do inglês por Cynthia Nojimoto. V!RUS, São Carlos, n. 6, dezembro 2011. Disponível em: . Acesso em: 00 m. 0000.

Gernot Riether é Arquiteto. Professor assistente na Escola de Arquitetura da Georgia Tech. Estuda tecnologias digitais para melhorar a relação da arquitetura para um ambiente natural, construído e social.

Pavilhão AIA, um sistema flexível de blocos construtivos celulares



Figura 1. Interior e exterior.

Introdução

O Pavilhão AIA alia pesquisa sobre novos materiais para arquitetura com técnicas de parametrização e processos de design e fabricação digital. O pavilhão foi desenvolvido no “Digital Design Build Studio”, que eu coordeno no Georgia Institute of Technology. Neste estúdio, estou pesquisando as possibilidades de design e fabricação digitais com o intuito de desenvolver novos métodos construtivos para materiais ecológicos. O Pavilhão AIA, em New Orleans, permitiu apresentar como o plástico pode ser usado para construir um novo tipo de estrutura leve que seja acessível e ecológica.


Figura 2. Pavilhão AIA em uso.


O projeto foi selecionado para ser construído em uma chamada anual da AIA, que demandava por intervenções para trazer à vida a cidade histórica de New Orleans. Meu projeto sugere uma série de pavilhões localizados em pátios geralmente escondidos e frequentemente privados. Com a página web da cidade anunciando diferentes eventos em suas localizações, os lugares esquecidos se transformam em novos destinos públicos. Os pavilhões estão reativando o tecido urbano, revertendo-o – o que era um espaço privado durante o dia torna-se um espaço público para concertos, performances e outros eventos à noite.

À noite, os pavilhões modulam dramaticamente o ambiente acolhedor, chamando atenção para os espaços românticos e misteriosos da cidade, localizados tipicamente no interior da quadra, distante da rua. O primeiro pavilhão foi construído em um pátio, localizado na Rua Orleans, próxima à North Rampart. Da rua pode-se somente ver relances de um objeto estranho e muito brilhante. Para moradores curiosos e visitantes, corajosos o suficiente para entrar no pátio através de uma longa e estreita passagem existente, o estranho objeto é revelado como um farol, um espaço de eventos de possibilidades abertas.


Figura 3. Pavilhão à noite.

Projetando Sistemas Flexíveis

Arquitetos deveriam projetar sistemas ao invés de edifícios. Ferramentas de modelagem generativa como o Grasshopper, um editor gráfico de algoritmos, permitiram-me definir as formas como sistemas generativos, que respondem a solicitações e contextos únicos. Usando tais ferramentas, a forma “emerge” da definição de regras. Com tal método de trabalho, estou ultrapassando os limites da típica tipologia arquitetônica. Durante o processo de design do Pavilhão AIA, diferentes métodos geométricos, tais como NURB, polígonos e subdivisões foram testados para desenvolver novas “tipologias digitais”. Os blocos ou células de edificação resultantes que têm sido desenvolvidos foram testados em relação a suas funções arquitetônicas, desempenho estrutural e materialidade.


Figura 4. Diagrama de fluxo de trabalho do Pavilhão AIA.

Esta eliminação de tipos convencionais conduz a sistemas mais flexíveis, novas combinações de funções, situações híbridas inesperadas, novas formas de interação entre sistemas naturais e artificiais e sistemas que podem se adaptar a diferentes necessidades. A célula, durante o processo de design, desenvolveu-se de um estado primitivo para um complexo. Este nível de complexidade mais elevado na célula inicial provou ser essencial para permitir a integração de necessidades programáticas, funcionais e contextuais. Em biologia, este comportamento é conhecido como Quimiotaxia, um movimento direcionado em relação a um gradiente químico externo (HANCZYV et al., 2007).


Figura 5. Diagrama estrutural.

A geometria básica final da célula do pavilhão foi um triângulo, que se transformou em 320 variações únicas baseadas em diferentes configurações dos atributos. Dependendo de sua posição, as bordas de cada célula foram dobradas diferentemente para fornecer rigidez dentro da célula e compor toda a estrutura. Uma única célula, por exemplo, poderia algumas vezes atuar mais como pele e em outras como pilar, alterando-se a forma e a configuração. Cada célula poderia se adaptar ainda a diferentes funções como janelas, assentos, fundação, suportes para sistema de iluminação artificial, sistema de iluminação natural, nichos para vegetação e coletores de águas pluviais.


Figura 6. Transformação de uma célula única.



Figura 7. Coletores de águas pluviais e plantas habitando o envelope.



Figura 8. Variações da geometria básica.

O processo de geração da forma de cada célula foi baseado na informação derivada do contexto e das funções específicas. Foi uma busca por leis matemáticas que sistemas naturais e artificiais poderiam obedecer ao conceito básico de emergência que está usando a matemática e os processos que o torna útil para os designers (WEINSTOCK, 2006, p. 273; THE RENEWABLE CORPORATION, [s.d.]). O processo foi totalmente programado ou, em outras palavras, articulou-se com as regras que informavam as transformações geométricas das células. O grau de imprevisibilidade da geometria final da célula crescia conforme o aumento da complexidade da informação que operava sobre a geometria das células. A forma global final e as qualidades espaciais do pavilhão, por sua vez, emergiram das variações das células.


Figura 9. Mapa da variação das células.

Programar todo o pavilhão no Grasshopper, dessa forma, também aumentou dramaticamente a continuidade entre design e fabricação digital. A enumeração de todas as arestas e a adição de mais de 2 mil detalhes de conexões, que variavam de acordo com a diferenciação das células, puderam ser facilmente acrescidas ao script parametricamente.


Figura 10. Um script foi utilizado para gerar as variações das células e para adicionar detalhes individuais.

A geometria das células permitiu combinar estrutura e vedação em um material simples, formando um sistema de exoesqueleto híbrido. As arestas de cada célula foram dobradas diferentemente de acordo com sua localização dentro da estrutura global. Isso forneceu rigidez à célula. Uma vez conectadas, as arestas de todas as células formaram um sistema geodésico complexo. Para minimizar a quantidade de material usada para a vedação e para criar uma leve estrutura, o fechamento gera cavidades. A formação das cavidades criou tensão na superfície, o que permitiu reduzir o peso da estrutura para 120 kg.


Figura 11. Visualização da tensão na superfície.

Nova Flexibilidade nos Materiais de Construção

Arquitetos foram acostumados a trabalhar com as propriedades constantes dos materiais de construção tradicionais, como pedra, terra, madeira, concreto, aço e vidro. A colaboração com cientistas na química nos permitiu trabalhar na escala da molécula e reorganizar a estrutura oculta da matéria na arquitetura. Plásticos podem ser desenvolvidos com propriedades específicas de performance de baixo para cima, mais do que formá-los de cima para baixo, como tem sido feito com outros materiais. É possível ainda que o engenheiro de plásticos nos forneça uma ampla gama de propriedades em um único material. O que significa que temos materiais paramétricos. Quando a química surgiu pela primeira vez com os usos inovadores do plástico, na década de 1960, ele era um material ambientalmente problemático. Atualmente, com a indústria química mudando do plástico derivado do petróleo para os bio-plásticos, eles estão celebrando um retorno.

Em resposta à indústria química, estamos investigando novas técnicas arquitetônicas e métodos para reintroduzir o plástico como material de construção. No Pavilhão AIA, usamos um polietileno tereftalato modificado com glicol (PETG) que pode ser produzido tanto do plástico reciclado como da cana-de-açúcar. Ao utilizar o bio-plástico como um material único para uma estrutura leve, o Pavilhão AIA é o resultado dessa pesquisa.

O Bio-PETG é produzido da cana-de-açúcar, uma planta que tem sido parte integrante da cultura e da economia da Louisiana a 200 anos. O material é fabricado a partir da matéria-prima da cana-de-açúcar, que é usada para produzir Etanol, que se torna etileno depois de um processo de desidratação. Produzir PETG da cana-de-açúcar traz enormes benefícios ambientais. Qualquer planta produz oxigênio e extrai dióxido de carbono da atmosfera. Devido à ampla abundância da cana-de-açúcar, o Brasil é atualmente o principal pesquisador e fabricante do Bio-PETG no mundo (DOW CHEMICAL CO, [s.d.]). De acordo com um estudo de 2004 realizado pelo Carbon Dioxide Information Analysis Center no Brasil, “Cerca de 1,5 bilhões de libras de CO2 serão removidas da atmosfera, o que é equivalente à emissão de 1,4 milhões de cidadãos brasileiros” (DOW CHEMICAL CO, [s.d.]). A Braskem, grupo químico brasileiro, afirma que o uso deste caminho, do etanol da cana-de-açúcar para produzir uma tonelada de polietileno, remove 2,5 toneladas de dióxido de carbono, enquanto o método petroquímico tradicional resulta na emissão de aproximadamente 3,5 toneladas (BRASKEM, [s.d.]; US DEPARTMENT OF ENERGY, [s.d.]). O Bio-PETG é praticamente idêntico ao PETG derivado do petróleo, com suas excepcionais características térmicas e recicláveis.

Ao reintroduzir o plástico como material de construção, o projeto fornece novas qualidades espaciais e estéticas, que são essenciais se é desejado alterar nossa percepção do plástico como um material ecológico frente a uma problemática ambiental. Plásticos podem ser leves, resistentes ao impacto e fáceis de fabricar. Essas características são necessárias para a rápida montagem, desmontagem e transporte dos pavilhões. A natureza altamente maleável do plástico o torna um material apropriado para a forma digitalmente derivada do pavilhão e sua geometria complexa e variações das células.

Sistemas Flexíveis de Fabricação

Sistemas de arquitetura precisam ser flexíveis o suficiente para serem capazes de responder a parâmetros que são únicos para cada projeto e local. Flexibilidade na fabricação geralmente significa a capacidade de uma máquina de produzir diferentes produtos ou partes, a viabilidade de um processo de montagem e sequência, ou a capacidade de se adaptar às alterações no projeto. No design industrial, o termo “Máquina Flexível” é usado para designar uma máquina que pode produzir uma variedade de produtos. O termo “Sistemas Flexíveis de Manufatura” ou “SFM” é usado quando várias máquinas estão conectadas de uma forma dinâmica flexível.

O projeto e a fabricação estão usando as mesmas plataformas, o que ajudou a organizar o processo de produção. A conexão entre design e fabricação digital tem se tornado óbvia e natural. .

Processos de Manufatura Auxiliada por Computador (CAM) - como cortadoras à laser, fresas de Controle Numérico Computadorizado (CNC) e impressoras 3D - associados a ferramentas de Desenho Auxiliado por Computadores (CAD) e a aplicativos de modelagem paramétrica forneceram feedback imediato em um processo de design, permitindo a especulação com materiais reais e em tempo real. Integrar produção e processos de design como agentes ativos no desenvolvimento de sistemas arquitetônicos me permitiu estabelecer um processo de design que, ao invés de isolar ou separar diferentes questões, é impulsionado pela incorporação de todos os possíveis parâmetros a cada vez e pela análise das consequências de suas interações. Integrar múltiplos processos em um demandou um grande esforço inicial, mas foi compensado pela customização em massa e pelo desenvolvimento de variações únicas baseadas em alterações funcionais e contextuais para diferentes usuários e locais.

Ao desenvolver as células para o Pavilhão AIA, o estúdio explorou processos de produção e montagem que podem criar módulos similares, mas únicos. Primeiramente, desenvolvemos um sistema flexível de manufatura que respondia às necessidades do projeto. A condição limite do sistema estava relacionada à condição limite do nosso método de fabricação. Os 300 módulos do pavilhão eram todos diferentes, mas partes de uma única família. Cada um era diferente em tamanho e proporção, mas compartilhava a mesma base geométrica de triângulos. A seção de cada módulo, por exemplo, diferenciou-se através da extrusão da geométrica de base. Como cada módulo foi produzido a partir de placas plásticas termoformadas, isso permitiu diferentes técnicas de moldagem de acordo com as solicitações programáticas e contextuais.


Figura 12. Variações da célula.

Os vários contornos dos módulos individuais foram moldados a partir de placas de PETG. Cada um dos triângulos foi então termoformado em uma forma tridimensional. O modelo paramétrico, que foi totalmente programado, permitiu ligar o projeto aos parâmetros de fabricação e a um sistema flexível de manufatura. Foi desenvolvido um molde flexível, que poderia produzir diferentes formas a partir de diferentes triângulos. O molde foi construído a partir de um conjunto de partes fabricadas digitalmente, que combinaram três técnicas diferentes de termoformagem: drape forming, vacuum forming e draping.


Figura 13. Molde flexível.

Isso me permitiu responder a um modelo paramétrico digital com um sistema flexível para fabricar as células. Como o modelo foi totalmente programado, poder-se-ia atualizar os limites de produção a qualquer hora. Um contínuo loop de feedback foi criado entre a modelagem digital e a fabricação.

Ao desenvolver nosso próprio molde flexível, pudemos experimentar menos o uso das partes e das ferramentas do que de outras técnicas de moldagem, o que permitiu economizar material e uma produção eficaz em termos de custo e tempo. Foi também muito preciso, resultando em tolerâncias de montagem muito pequenas. Depois de sua produção, todas as células pré-fabricadas foram montadas em seis grandes componentes projetados com a finalidade de serem empilhados e caberem de forma compacta em um pequeno caminhão de transporte.


Figura 14. Processo de montagem.


Figura 15. Grupos de células e a vista exterior depois da montagem.

Conclusão

Continuidade e variabilidade são algumas das palavras-chave que descrevem o resultado da arquitetura de hoje. Um olhar mais aprofundado revela seu plano alternativo aos sistemas arquitetônicos convencionais como fachada, cobertura e estrutura que ainda estão intactos. Continuidade e variabilidade podem sugerir uma eliminação da tipologia e da hibridização entre sistemas naturais e artificiais. O uso de métodos de design e fabricação digitais suporta esses desenvolvimentos de sistemas que são mais flexíveis e adaptáveis.

O Pavilhão AIA promove uma arquitetura que evita o pensamento tipológico, sugerindo um sistema único, que pode ser complexo e flexível o suficiente para responder a múltiplas funções e contextos. Nesse sentido, o projeto sugere sistemas de construção customizados em massa e componentes de sistemas que permitem relações mais intensas entre arquitetura e seu ambiente. O projeto privilegia mais o design de sistemas do que de edifícios, o que sugere uma qualidade estética que emerge como consequência de interações, matéria e comportamento do material.

Associar uma pesquisa de material à progamação como uma técnica de design e um sistema flexível de manufatura permitiu customizar cada célula de acordo com funções e contextos diferentes de maneira altamente econômica.

O pavilhão apresenta uma nova forma de estrutura leve que economiza materiais de construção. O projeto também responde à indústria química que atualmente está mudando sua produção do plástico derivado do petróleo para o bio-plástico, sugerindo uma arquitetura construída a partir de bio-materiais que podem ser reciclados.

O projeto sugere ainda a manipulação de um material em uma micro escala. Aplicar essa ideia à arquitetura pode sugerir um futuro muito diferente para a questão arquitetônica, uma arquitetura que é responsiva ao seu ambiente de uma forma muito mais dinâmica. Construções podem ser feitas de células que podem ser manipuladas para alterar seu significado arquitetônico em busca de um equilíbrio entre função arquitetônica e diferentes ambientes. Sistemas arquitetônicos auto-montáveis podem emergir de um campo de tensão construído a partir de diferentes conjuntos de parâmetros. Em breve, os sistemas naturais e artificiais podem se tornar indistinguíveis.

Arquiteto: Gernot Riether.

Equipe de Projeto: Gernot Riether, Valerie Bolen, Rachel Dickey, Emily Finau, Tasnouva Habib, Knox Jolly, Pei-Lin Liao, Keith Smith, April Tann.

Consultores: Russell Gentry, Andres Cavieres.

Fabricação: DFL, Digital Fabrication Laboratory no Georgia Institute of Technology.

Referências

BRASKEM. Bio-derived polyethylene. [s.d.] Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011. Veja também: . Acesso em: 12 jul. 2011.

DOW CHEMICAL CO. Dow Brazil: scaling new heights. [s.d.] Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011.

HANCZYC, M. M. et al. Fatty acid chemistry at the oil-water interface: self-propelled oil droplets. Journal of The American Chemical Society, v. 129, n. 30, 2007, p. 9386–91.

THE RENEWABLE CORPORATION. [s.d.] Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011.

US DEPARTMENT OF ENERGY. Biomass Program, direct hydrothermal liquefaction. [s.d.] Disponível em: . Acesso em: 12 jul. 2011.

WEINSTOCK, M. Morphogenesis and the mathematics of emergence. In: JENCKS, C.; KROPF, K. Theories and manifestos of Contemporary Architecture. Chichester - West Sussex: Wiley, 2006.