Boas notícias para tempos difíceis

Marcelo Tramontano, Juliana Couto Trujillo, Juliano Veraldo da Costa Pita, Luciana Santos Roça, Sandra Schmitt Soster

Marcelo Tramontano é Doutor e Livre-docente em Arquitetura e Urbanismo, com Pós-doutorado em Arquitetura e Meios Digitais. É Professor Associado e pesquisador do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (IAU-USP), onde coordena o Nomads.usp, Núcleo de Estudos de Habitares Interativos. É Editor-chefe da revista V!RUS.

Juliana Couto Trujillo é Mestre em Estudos de Linguagem, Professora Adjunta na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, coordenadora do grupo de pesquisa algo+ritmo, e pesquisadora do Nomads.usp. Estuda processos digitais de projeto, cidades e cultura digital e políticas culturais com meios digitais.

Juliano Veraldo da Costa Pita é Mestre em Arquitetura e Urbanismo, professor do Instituto Federal de São Paulo, pesquisador do Nomads.usp. Estuda a área de projeto de Arquitetura, sua relação com a esfera pública e as implicações das novas tecnologias, sobretudo o uso de BIM.

Luciana Santos Roça é bacharel em Imagem e Som, Mestre em Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora do Nomads.usp. Pesquisa intervenções sonoras em espaços públicos, procurando integrar os campos disciplinares de Estudos de Som e de Arquitetura.

Sandra Schmitt Soster é Mestre em Arquitetura e Urbanismo e pesquisadora do Nomads.usp. Estuda o uso de meios digitais na gestão e preservação do patrimônio cultural.


Como citar esse texto: TRAMONTANO, M.; PITA, J. V. C.; TRUJILLO, J.; ROÇA, L. S.; SOSTER, S. S. Boas notícias para tempos difíceis. (Editorial). V!RUS, São Carlos, n. 13, 2016. Disponível em: <http://143.107.236.240/virus/virus13/?sec=1&item=1&lang=pt>. Acesso em: 22 Dez. 2024.

O processo de preparação da décima terceira edição da revista V!RUS desenrolou-se durante os primeiros meses da grande reviravolta política em curso no Brasil. Desde sua instauração, o atual governo tem tomado diversas medidas que suprimem direitos adquiridos da população e desestabilizam instituições e serviços públicos nas áreas de Educação, Cultura, Saúde, Ciência e Tecnologia, Comunicações, entre outros. Ao privilegiar interesses de grupos precisos, como as grandes corporações financeiras, o mercado imobiliário e as grandes empresas de comunicação, tais medidas acentuam, por outro lado, problemas nacionais crônicos. Tentam reverter e cancelar políticas públicas que vinham, já há alguns anos, buscando - e conseguindo - diminuir a enorme desigualdade social que caracteriza a sociedade brasileira desde seus primórdios. Um sentimento de desesperança e impotente indignação parece acompanhar parte da população do país e do mundo, acrescido, aqui como lá, de uma certa atitude, fomentada pela imprensa em geral, de desvalorização e desqualificação de conquistas populares e acadêmicas arduamente construídas ao longo de décadas, fundamentadas no debate amplo e na participação de diversos setores da sociedade.

É, no entanto, com prazer que constatamos que os dezesseis trabalhos selecionados para integrar a presente edição da V!RUS nadam contra essa correnteza. Eles têm em comum o interesse por espaços de resistência existentes no seio da vida social. Exibem o desejo de contribuir para a valorização de práticas capazes de preservar o pensamento crítico e o apoio às camadas e grupos mais vulneráveis da população. Sobretudo, defendem que soluções para os problemas de uma nação só podem ser corretamente formuladas em um ambiente de liberdade de pensamento, de expressão, de criação e de experimentação. Os textos e imagens aqui apresentados reúnem informações sobre diversas cidades do Brasil e do Exterior, compondo um impressionante mosaico de reflexões e práticas, tão atual quanto necessário.

Uma visão ampla do tema da edição é oferecida, na seção Entrevista, pelo sociólogo e ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação Sérgio Amadeu da Silveira. A noção de notícia, enquanto informação transmitida e manipulada atendendo aos interesses de quem a transmite, é ampliada por um exame do momento atual que vivem o Brasil e o mundo, e, em especial, das redes sociais online como arena de disputa da informação por diferentes atores sociais.

Três artigos têm exclusivamente como foco experiências fora do Brasil. Lev Manovich e Agustín Indaco propõem um método de mapeamento da desigualdade social em Nova York e em grandes cidades do mundo através do uso de big data, recuperado em redes sociais online. Christoph Walther relata o tocante trabalho de auto-organização de voluntários internacionais para receber refugiados na ilha grega de Chios. E o grupo madrilenho Ecosistema Urbano apresenta o projeto de requalificação e reestruturação do centro de Assunção, no Paraguai, através da mobilização de iniciativas cidadãs e privadas, em um processo contínuo no qual a cidade se reinventa a partir de seus próprios meios.

Práticas de urbanismo participativo são tema de vários trabalhos. Camille Bianchi e Luiza Andrada e Silva discutem o papel de vielas, cruzamentos, escadarias, passarelas e caminhos criados em processos de urbanização espontânea como articuladores da apropriação do bairro Jardim Ângela, em São Paulo, por seus moradores. Luísa Gonçalves aborda a ação de habitantes, conjugada ou não com o aporte de arquitetos, conferindo novos usos a espaços residuais, como na reconversão do elevado High Line, em Nova York, de uma estação de metrô, em Mulheim, Alemanha, e de um viaduto, no Rio de Janeiro. Através da metodologia do Discurso do Sujeito Coletivo, Júlia Lahm e Soraya Nór avaliam a implementação de hortas urbanas comunitárias na cidade de Florianópolis, no sul do Brasil, concluindo que, muito além da produção de alimentos, elas contribuem para a integração das pessoas com sua comunidade, com a natureza e consigo mesmas.

Em uma abordagem mais sutil, Marcela Dimenstein e Jovanka Scocuglia produzem uma leitura da região central da cidade de João Pessoa, no nordeste brasileiro, através dos olhos, da vivência e dos modos de vida de seus usuários mais idosos, testemunhas do tempo que passa. Interessando-se igualmente à relação entre modos de vida e ambiente construído, Ana Kláudia Perdigão traça um rico retrato da habitação em palafita em uma cidade da Amazônia, entendendo-a como resistência à extinção da tradição cultural ribeirinha.

As linguagens audiovisuais como meio de leitura e expressão da cidade e da sociedade são tratadas em dois trabalhos. Arthur Autran identifica o ressurgimento da política como questão central em filmes brasileiros recentes, os quais, inversamente, contribuem para a ampliação do debate político no país. Na seção Nomads, as pesquisadoras Luciana Roça e Maria Julia Martins apresentam os cinco vídeos produzidos no âmbito de uma experiência didática transdisciplinar em pós-graduação, cuja proposta foi o uso da noção de refúgio como guia para se entender aspectos da vida urbana. Em um terceiro trabalho, a fotografia, conectada ao conceito foucaultiano de heterotopias e ao pensamento complexo de Morin, é o meio escolhido por Carlos Nigro para examinar territórios de vulnerabilidade social e seus atores.

Estimular relações criativas entre obras projetadas e seus usuários é o mote de duas experiências extremamente instigantes apresentadas nesta edição. Na área do Design, Denise Mendonça faz um balanço da evolução de uma disciplina de desenho de mobiliário, na qual, já há doze anos, os alunos têm sido convidados a conceber e realizar peças de mobiliário para uso de crianças em instituições de amparo à infância, com grandes ganhos em relação a procedimentos didático-pedagógicos tradicionais. No âmbito da Arquitetura e do Urbanismo, Carlos Teixeira, Leonardo Rodrigues, Daila de Araújo e Frederico Almeida apresentam intervenções em espaços residuais da cidade de Belo Horizonte, em três diferentes escalas, considerando a arquitetura da cidade como esperas, abertas para variadas intervenções.

Reações a situações opressivas são tratadas em dois trabalhos. Maria Cristina Costa trata da censura como estratégia de Estado, mostrando o resgate de textos teatrais censurados pela ditadura militar e a atualidade de seu estudo. O movimento feminista é tema do texto de Camila Diniz, abordando a criação e consolidação de uma Casa de Referência para acolhimento de mulheres vítimas de agressão.

Finalmente, o projeto gráfico da presente edição reúne diferentes sistemas de transmissão e troca de informação à distância que mudaram a face do mundo. Apresentamos a seguir as oito imagens que escolhemos para ilustrar nosso Sumário e o background de cada seção. Elas lembram a importância de invenções que contribuíram para alterar nosso quotidiano, nossa relação com os outros, com o mundo e conosco mesmos.

Esperamos que a leitura desta edição da V!RUS possa contribuir, ainda que modestamente, para tornar menos difíceis os tempos presentes.

Fig. 01: Transit, primeiro satélite do sistema GPS, lançado em 1960, nos EUA.

Fig. 02: Máquina de Turing, precursora do computador moderno, concebida pelo cientista da Computação Alan Turing nos anos 1940, no Reino Unido.

Fig. 03: Tipos móveis para impressão, inventados na China, no século XI.

Fig. 04: Selo postal Olho de Boi, emitido pelo Brasil, em 1843, que se tornou assim o segundo país do mundo a emitir um selo postal.

Fig. 05: Aparelho telefônico desenvolvido por Graham Bell a partir da invenção de Antonio Meucci, e patenteado por Bell, em 1876, nos EUA.

Fig. 06: Um dos primeiros telégrafos do mundo, capaz de transmitir dados através de impulsos elétricos segundo código binário concebido por Samuel Morse, em 1838, nos EUA.

Fig. 07: Televisor inventado por John Logie Baird, em Londres, em 1926.

Fig. 08: Primeiro website da Internet, concebido por Tim Berners-Lee, na Suíça, em 1989, e disponível em: http://info.cern.ch/hypertext/WWW/TheProject.html

Good news for hard times

Marcelo Tramontano, Juliana Couto Trujillo, Juliano Veraldo da Costa Pita, Luciana Santos Roça, Sandra Schmitt Soster

Marcelo Tramontano is Doctor and Livre-Docente in Architecture and Urbanism, with a Post-Doctor degree in Architecture and Digital Media. He is Associate Professor and researcher at the Institute of Architecture and Urbanism of the University of Sao Paulo (IAU-USP), where he coordinates the Center for Interactive Living Studies, Nomads.usp. He is the Editor-in-chief of V!RUS journal.

Juliana Couto Trujillo holds a Master's Degree in Language Studies, is an Adjunct Professor at the Federal University of Mato Grosso do Sul, coordinator of the algo+ritmo research group, and researcher at Nomads.usp. She studies digital design processes, cities and digital culture and cultural policies with digital media.

Juliano Veraldo da Costa Pita holds a Master's degree in Architecture and Urbanism, a professor at the Federal Institute of São Paulo, and a researcher at Nomads.usp. He studies Architectural design, its relation with the public sphere and the implications of the new technologies, especially the use of BIM.

Luciana Santos Roça is a Bachelor of Arts in Image and Sound, Master in Architecture and Urbanism and is a researcher at Nomads.usp. She studies sound interventions in public spaces, seeking to integrate the disciplinary fields of Sound Studies and Architecture.

Sandra Soster Schmitt holds a Master's degree in Architecture and Urbanism and is researcher at Nomads.usp. She studies the use of digital media in the management and preservation of cultural heritage.


How to quote this text: TRAMONTANO, M.; PITA, J. V. C.; TRUJILLO, J.; ROÇA, L. S.; SOSTER, S. S. Good news for hard times. (Editorial). V!RUS, [e-journal] 13. [online] Available at: <http://143.107.236.240/virus/virus13/?sec=1&item=1&lang=en>. [Accessed: 22 December 2024].

The editorial process of the V!RUS journal thirteenth issue took place during the first months of great political upheaval in Brazil. Since its inception, the current government has taken several measures that suppress acquired population rights and destabilize public institutions and services in the areas of Education, Culture, Health, Science and Technology, Communications, among others. By focusing on the interests of specific groups, such as large financial corporations, the real estate market and large media companies, such measures accentuate, on the other hand, chronic national problems. They aim to reverse and cancel public policies that have been seeking - and succeeding - in reducing the enormous social inequality that characterizes Brazilian society from its earliest days. A sense of hopelessness and helpless indignation thus seems to accompany part of the country's and the world's population. It has been increased by a certain attitude, fostered by the press in general, of depreciation and disqualification of popular and academic achievement arduously built up over decades, based on broad debate and participation of various sectors of society.

We are, however, pleased to see that the sixteen works selected to integrate this issue of V!RUS swim against the current. They have in common an interest for spaces of resistance existing within social life. They show the desire to contribute to the development of practices aiming to preserve critical thinking and support for the most vulnerable classes and groups of the population.

They argue above all that solutions to the problems of a nation can only be correctly formulated within an environment of freedom of thought, expression, creation and experimentation. The texts and images presented here gather information about several cities of Brazil and abroad, composing an impressive, current and necessary mosaic of reflections and practices.

In the Interview section, a wide view of the issue's theme is offered by the sociologist and former president of the Brazilian Institute of Information Technology Sérgio Amadeu da Silveira. The notion of news as information transmitted and manipulated serving the interests of those who transmit it, is amplified through an examination of the current moment in which Brazil and the world live, especially of online social networks as an information dispute arena by different social actors.

Three articles focus exclusively on experiences outside Brazil. Lev Manovich and Agustín Indaco propose a method of mapping social inequality in New York as in major world cities through the use of big data retrieved in online social networks. Christoph Walther reports on the touching self-organized work of international volunteers to receive refugees on the Greek island of Chios. And the Madrid-based group Ecosistema Urbano presents its requalification and restructuring project of the central area of Asuncion, Paraguay, through the mobilization of citizen and private initiatives, in a continuous process in which the city reinvents itself from its own resources.

Participatory urban planning practices are the subject of several studies. Camille Bianchi and Luiza Andrada e Silva discuss the role of alleys, junctions, stairways, walkways and paths created in spontaneous urbanization processes as articulators of the appropriation of the Jardim Angela neighborhood by its residents, in the city of Sao Paulo. Luísa Gonçalves addresses inhabitants actions, whether or not combined with architects inputs, giving new uses to residual spaces, such as the reconversion of the High Line elevated railroad in New York, a metro station in Mulheim, Germany, and a viaduct in Rio de Janeiro. Through the Collective Subject Discourse methodology, Júlia Lahm and Soraya Nór evaluate the implementation of community-based urban vegetable gardens in the city of Florianopolis, in southern Brazil, concluding that, far beyond food production, they contribute to bring people closer to their community, to nature and to themselves.

In a more subtle approach, Marcela Dimenstein and Jovanka Scocuglia produce a reading of the central area of Joao Pessoa city, in northeastern Brazil, through the eyes, the experience and ways of life of its elderly users, witnesses of the passing time. Also interested in the relationship between lifestyles and the built environment, Ana Kláudia Perdigão traces a rich portrait of stilt houses in Amazonia, understanding it as resistance to the extinction of the cultural riverside tradition.

Audiovisual languages as a means of reading and expressing the city and society are dealt with in two works. Arthur Autran identifies the resurgence of politics as a central issue in recent Brazilian films, which conversely can contribute to the expansion of the country's political debate. In the Nomads section, the researchers Luciana Roça and Maria Julia Martins present five videos produced as part of a transdisciplinary didactic experience in postgraduate studies, whose proposal was the use of the notion of refuge as a guide to understand aspects of urban life. In a third work, photography connected to the Foucault's concept of heterotopias and to Morin's complex thinking, is the means chosen by Carlos Nigro to examine territories of social vulnerability as well as their actors.

Stimulating creative relationships between projected works and their users is the motto of two extremely exciting experiences presented in this issue. In the Design area, Denise Mendonça provides an assessment of the evolution of a furniture design course, in which students have been invited, for twelve years now, to design and carry out pieces of furniture for use by children in childhood suport institutions, presenting great gains compared to traditional didactic and pedagogical procedures. In the scope of Architecture and Urbanism, Carlos Teixeira, Leonardo Rodrigues, Daila de Araújo and Frederico Almeida present their interventions in residual spaces of the city of Belo Horizonte, in three different scales, considering the architecture of the city as standbys open to varied interventions.

Reactions to oppressive situations are dealt with in two papers. Maria Cristina Costa treats censorship as a State strategy, showing the rescue of theatrical texts censored by the Brazilian military dictatorship and the actuality of their study. The feminist movement is Camila Diniz text theme, addressing the creation and consolidation of a Reference House targeting to host women victims of aggression.

Finally, the graphic design of this edition brings together different systems of transmission and exchange of information that have changed the face of the world. The following eight images were chosen to illustrate our table of contents and the background of each section. They remind us of the importance of inventions that have contributed to changing our daily lives, our relationships with others, with the world, and with ourselves.

We hope that reading this issue of V!RUS can contribute, albeit modestly, to make present times less difficult.

Fig. 01: Transit, the first satellite of the GPS system, launched in 1960 in the US.

Fig. 02: The Turing machine, precursor of modern computers, designed by computer scientist Alan Turing in the 1940s in the United Kingdom.

Fig. 03: Movable types for printing, invented in China in the eleventh century.

Fig. 04: "Olho de Boi" postage stamp issued by Brazil in 1843, which thus became the second country in the world to issue a postage stamp.

Fig. 05: Telephone handset developed by Graham Bell from the invention of Antonio Meucci, and patented by Bell in 1876 in the US.

Fig. 06: One of the first telegraph set in the world, able to transmit data through electric impulses according to binary code conceived by Samuel Morse in 1838 in the US.

Fig. 07: The televisor invented by John Logie Baird in London in 1926.

Fig. 08: The first Internet website, designed by Tim Berners-Lee in Switzerland in 1989, is available at: http://info.cern.ch/hypertext/WWW/TheProject.html