Mutações metropolitanas: estruturas viárias como lugar de apropriação, reinvenção e uso na cidade contemporânea

Luísa Gonçalves

Luísa Gonçalves é Mestre em Teoria, História e Crítica de Arquitetura, pesquisadora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). Estuda a relação entre arquitetura, cidade, espaço público e infraestrutura; espaços de uso coletivo na metrópole de São Paulo.


Como citar esse texto: GONÇALVES, L. Mutações metropolitanas: estruturas viárias como lugar de apropriação, reinvenção e uso na cidade contemporânea. V!RUS, São Carlos, n. 13, 2016. Disponível em: <http://143.107.236.240/virus/virus13/?sec=4&item=4&lang=pt>. Acesso em: 21 Dez. 2024.


Resumo:

Este trabalho analisa estruturas viárias urbanas que sofreram transformações que resultaram em apropriações a parte do que lhes foi originalmente designado, com foco em três viadutos. Subversão de usos, incorporação de estruturas arquitetônicas a contextos existentes e múltiplas relações de fluxos e permanências, contribuem para que a metrópole contemporânea ofereça uma experiência estética particular. A possibilidade de enfrentar-se ao desconhecido e tomar posse de um espaço comum resgata a noção de cidade enquanto um lugar de trocas, de liberdade e de imprevisibilidade. São discutidos os conceitos de heterotopia e terrain vague na abordagem de espaços intersticiais, dos “não-lugares” e infraestruturas em relação ao contexto metropolitano. Os projetos destacados estão locados em três contextos distintos: a High Line, em Nova York, o Eichbaum Oper, em Munique, e o viaduto de Madureira, no Rio de Janeiro. Em tempos difíceis, são sinais da potência de intervenções simples mas precisas, e da relação entre a organização popular local e dos projetos implantados. Em comum possuem a situação inicial de espaço intersticial e as intervenções que os transformaram em espaços de uso coletivo, com uma relação intensa e particular entre o público e o espaço urbano.

Palavras-chave:: Estruturas viárias; Infraestrutura; Metrópole; Cidade contemporânea; Espaço público.


Introdução: lugares à margem

Este artigo discute estruturas urbanas que sofreram transformações em sua condição original, seus processos de reinvenção e repercussões. Essa situação pode partir de diversos pontos, seja do abandono da estrutura ou de uma necessidade de apropriação de um espaço remanescente. Interessa-nos aqui evidenciar o olhar que despertou interesse a esses lugares e apontar essas experiências como exitosas no sentido de criar espaços de acolhimento, de impulsionar sua apropriação como espaços públicos, de uso coletivo da população desses locais; casos bem recebidos pela população.

Os casos apresentam em comum a demanda por incorporar à cidade espaços que se encontravam desconectados do contexto de seu entorno, no sentido de seu uso. Nesse sentido, figuravam como um espaço esvaziado de sentido e de ocupação, que remete ao conceito do terrain vague, apresentado pelo arquiteto espanhol Ignasi de Solà-Morales. Segundo o autor, esse lugar “obsoleto” ganha a atenção de fotógrafos a partir da década de 1970 em busca de uma paisagem urbana atípica, fora do modelo apoteótico dos objetos arquitetônicos ou das grandes infraestruturas metropolitanas (SOLÀ-MORALES, 2012, p. 2). Na obra de John Davies, David Plowten e Olivio Barbieri, por exemplo (alguns dos fotógrafos citados pelo autor), emergem na cidade lugares residuais, com uma estranha relação entre produção e obsolescência, que convidam o habitante da cidade a confrontar-se com o improdutivo, impreciso, incerto, mas ainda assim, urbano. Solà-Morales utiliza diversas raízes etimológicas para definir o termo terrain vague, que oscilam entre a definida extensão de terra urbana de um “terreno” para os fluidos conceitos de vacante, vago, disponível, vazio, impreciso, indeterminado. Ainda que contraditório e conflitante, o termo relaciona-se também ao espírito da cidade no começo da modernidade, quando se descobria o espaço urbano imprevisível, que alimentava os ânimos boêmios e o hábito de flanar:

A imaginação romântica que pervive em nossa sensibilidade contemporânea se nutre de lembranças e expectativas. Estrangeiros em nossa própria pátria, estranhos em nossa cidade, o habitante da metrópole sente os espaços não dominados pela arquitetura como reflexo da sua própria inseguridade, do seu vago deambular por espaços sem limites que, em sua posição externa ao sistema urbano, de poder, de atividade, constituem por sua vez uma expressão física o seu temor e inseguridade, mas também uma expectativa do outro, do alternativo, do utópico, do porvir (SOLÀ-MORALES, 2012, p. 4, grifo nosso).

O espaço negativo, vazio e improdutivo, inserido no intenso sistema produtivo da metrópole, expõe a incapacidade de se planejar e ocupar ordenadamente todo o território; da mesma maneira que escultores, fotógrafos, artistas contemporâneos encontraram neles lugar para expandir sua expressão, fora dos limites controlados e liberdade cerceada da metrópole urbana, podem também os arquitetos se alimentar dessa condição e produzir espaços que absorvam esse sujeito e as necessidades de seu tempo. A relação habitante-espaço que se forma então não pode ser prevista, constituindo um rico processo: a cidade é construída como um palimpsesto, em camadas emaranhadas de textos urbanos, sobrepondo temporalidades em diferentes apropriações.

Metrópole, circulação e permanência

Infraestrutura de mobilidade

Com o decorrer das transformações nos meios de transporte, surgiram algumas incompatibilidades entre estruturas viárias e contextos urbanos. Os casos apresentados aqui apontam três tipos: quando da transição de modelos – com o decorrente abandono de estruturas ferroviárias no caso de Nova York; quanto pela escala, em que a estrutura não acompanha a consolidação de um meio urbano, como no caso alemão, ou quando atravessa esse meio sem articulação entre o meio urbano existente, como no caso brasileiro. Em todos os casos, os vazios criados por essas incompatibilidades permaneceram por algum tempo nesse estado antes de serem incorporados à vida urbana, através, notadamente, da criação de espaços de convívio.

O adensamento de população em áreas urbanas – início do processo de urbanização que culmina na metrópole – aparece em diversas narrativas que abordam o cenário do enfrentamento do então “homem moderno” à multidão espalhada pelas ruas da cidade, e que viram o cotidiano transformar-se com desenvolvimento industrial cada vez mais forte. A modernização adentra o século XX e a máquina afirma-se como aliada do homem no processo de desenvolvimento das sociedades, e repercute também no desenho urbano e nas habitações. Reyner Banham (1979, p. 384) lembra que também em “Vers une architecture” Corbusier “principia escolhendo o que parece ser à primeira vista apenas uma consideração secundária no planejamento de cidades: caminhos retos versus curvos”. A relação de Le Corbusier – e os arquitetos de sua geração – com a máquina e o desenvolvimento da construção civil e engenharia, no início do século XX, é mais complexa e perpassou inúmeras áreas de sua obra projetual e teórica. Ao analisar essa Primeira Idade da Máquina, porém, Banham (1979, p.17) destaca que esse desenvolvimento entre “dinamismo futurista e o cuidado acadêmico” caracterizou essa primeira fase, mas que muitas ideias e estéticas dessa época ainda persistem sobre a segunda, ou seja, que a “revolução cultural que ocorreu por volta de 1912 foi ultrapassada, mas não foi revertida”.

O estado de crise que atingiu boa parte das metrópoles americanas no final do século XX trouxe consigo uma mudança de abordagem geral ao tema da metrópole: o espírito progressista e de desenvolvimento que marcou a maior parte do XX deu lugar a uma visão mais crítica da cidade congestionada, que convive com engarrafamentos cada vez mais intensos e situações de crise de habitação e de infraestruturas básicas para a sociedade. A “metrópole moderna” dá lugar à “metrópole contemporânea”, reforçando seu caráter de expressão da produção espacial do capital. Segundo a professora Regina Meyer (2000, p. 4, grifos da autora) “tudo aquilo que ‘ganha’ corpo na vida metropolitana exprime as relações estabelecidas em todas as suas esferas de vida social e produtiva, convertendo-se em expressão e não em reflexo dessas relações”. À metrópole contemporânea, por sua vez, associada à sociedade informacional, é atribuída a “dissolução dos traços territoriais, funcionais e espaciais da metrópole moderna”. Essa definição é utilizada também por Paul Virilio (1993, p. 12), que relaciona as fronteiras urbanas ao símbolo das portas das antigas cidades amuralhadas, explicando que “se, apesar das promessas dos arquitetos pós-modernos, a cidade encontra-se privada de portas a partir de agora, é porque há muito os limites urbanos deram origem a uma infinidade de aberturas, rupturas e fechamentos”.

Circulação e localização

Nesse contexto de perímetros difusos, ambos autores apontam para o suporte que os sistemas de infraestrutura oferecem enquanto localizadores, agregadores, não somente norteadores, mas elementos de característica nodal. Assim, Virilio (1993, p. 16, grifo em caixa alta do autor, em itálico nosso) coloca os sistemas de transporte e transmissão num mesmo patamar estrutural, em detrimento do efeito de representatividade que, como explicado acima, é atribuído ao monumento:

[...] hoje é até mais provável que aquilo que denominamos URBANISMO seja composto/decomposto por estes sistemas de transferência, de trânsito e de transmissão, estas redes de transporte e transmigração cuja configuração imaterial renova a da organização cadastral, a da construção de monumentos (VIRILIO, 1993, p. 16, grifo em caixa alta do autor, em itálico nosso).

Meyer também traz como importante aspecto da organização da metrópole contemporânea o papel dos polos de atividades gerados pelos sistemas de infraestrutura:

Para contornar essas dificuldades e buscar uma aproximação da nova ordem urbana e para que o grau de diluição das atividades no território e no espaço urbano não permaneça como obstáculo para nossa percepção, pode-se tentar lançar mão de um recurso metodológico baseado na conjugação de aspectos da vida metropolitana: considerar que a organização – funcional e formal – da metrópole contemporânea é definida simultaneamente pelos sistemas de infraestrutura metropolitanos, pelos polos que dão suporte às atividades da sociedade no território e por seus deslocamentos diários no interior do seu território e de seus espaços (MEYER, 2000, p. 4, grifos nossos).

Durante o intenso processo de urbanização das metrópoles (principalmente no caso do Brasil), as infraestruturas de mobilidade se configuraram como intervenções urbanas bruscas e significativas, justificadas por modelos de crescimento que em muitos casos privilegiavam a circulação de automóveis. Estruturas monumentais de pontes e viadutos tornaram-se obsoletas e degradadas com o abandono dessa visão de planejamento e de revisão do problema da circulação metropolitana, por vezes substituída por outros tipos de sistemas de transporte. Além das estruturas portantes propriamente ditas, espaços de transição passam a dar forma a um movimento intenso de passagem e circulação pela cidade, na arquitetura abstrata de terminais e estações que visariam a princípio apenas dar suporte ao fluxo. No final do século XX, esses espaços passam a figurar na crítica especializada, principalmente ligados à problematização das grandes cidades e metrópoles, das cidades globais e do aumento substancial de circulação de pessoas.

Passagem e permanência

Em 1996, em discurso de abertura ao Congresso Internacional de Arquitetos, o arquiteto e crítico Ignasi de Solà-Morales reconhece a limitação da arquitetura em promover solução para o âmbito da cidade como um todo. Com uma provocação sobre a necessidade de se pensar novas categorias de análise para os fenômenos arquitetônicos recentes, Solà-Morales vai explorar cinco situações que a disciplina enfrenta diante de novas situações. Uma delas diz respeito aos espaços de fluxos, de passagem, à mobilidade:

Não um fluxo - como o da estrada ou do telefone - senão a justaposição de uma multiplicidade de fluxos, é a primeira constatação de que a realidade na que vivemos está formada por malhas que acumulam interconexões perante as quais a ideia da simples condução ou via é redutora e insuficiente. [...] Que estas formas de interconexão sejam internacionais ou, como viemos a dizer recentemente, globais, estendidas a todo o âmbito do globo terráqueo, parte da experiência, também específica dos últimos trinta anos, de que os fluxos informativos e de transporte já não excluem de suas redes nenhuma parte do mundo. As cidades e a arquitetura não escapam a esta situação, ao contrário, constituem os lugares nodais nos quais esta interação global encontra as interconexões mais poderosas [...] (SOLÀ-MORALES, 1996, p. 13, tradução nossa).

Sobre esse tipo de projeto recai também a importante interpretação do antropólogo Marc Augè, que, ao analisar estações de transporte e espaços que têm como tema principal o fluxo de passageiros, cunhou o conceito de “não-lugar” como “tanto instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meios de transporte ou os grandes centros comerciais” (AUGÈ, 1994, p. 36). Esse conceito é duplamente importante aqui: por abranger a categoria de espaços de fluxos e trânsito, mas também por versar sobre os desdobramentos da noção de lugar no âmbito das relações humanas.

Em sua definição Augè (1994, p. 54) explica que os “não-lugares” abrigam a circulação de bens e pessoas, rompem a conexão do habitante com o território, e distanciam-se de uma dimensão histórica da cidade. O autor denuncia nos “não-lugares” a ausência de espaços não programados; uma vez que são entendidos como lugares de passagem, plataformas específicas de direcionamento a determinada atividade (principalmente a de deslocamento), mas, se os “não-lugares” da supermodernidade pregam o impessoal por meio de seus mecanismos de fragmentação e especificação do espaço, a aproximação dos indivíduos provoca um curto-circuito no sistema. Nos casos apresentados, a apropriação tanto das estruturas viárias no caso dos viadutos quanto da estação de metrô, transformam o espaço pelo uso, ganhando nova dimensão e significado.

Apropriação e reinvenção

Na concepção de Foucault (1984), uma vez superadas as heterotopias de crise (lugares reservados à indivíduos em situação de crise em relação à sua comunidade), passamos a lidar, na cidade, com as heterotopias de desvio, aqueles espaços que abrigam pessoas em situações conflitantes com a norma social pré-estabelecida (seriam as casas de repouso, clínicas psiquiátricas, prisões, etc). Os casos aqui apresentados participam de um aspecto da cidade essencial, a mobilidade. Se o intuito de sua construção, em todos os casos, era o de conectar pessoas e lugares – através da ferrovia, da estação de metrô ou do viaduto – por motivos distintos passaram por um processo de degradação, de sua própria estrutura ou na criação de vácuos, vazios ausentes de circulação de pessoas, iluminação adequada, conformando situações de pouca urbanidade.

Esses espaços podem ser lidos como lugares outros – heteros – em relação ao seu entorno, pelo conflito entre estrutura e contexto urbano e também pelo conflito de usos, a separação entre circulação de veículos e de pedestres. Sua apropriação, adaptação e transformação, no entanto, as retiram de um lugar de, novamente, estranhamento, reconfigurando sua lógica de uso e relocando-as, ainda que temporariamente, em sua qualidade de apropriação.

Em Nova York, a estrutura ferroviária da High Line figurava como uma cicatriz que cruzava antigos bairros industriais da cidade. Construída para o transporte de mercadorias e abandonada por mais de 40 anos, devido à mudança de ciclos econômicos (MENDES, 2013), foi através da união de moradores, que realizaram um estudo embasado sobre seus possíveis reusos, que foi promovido o concurso de arquitetura para o projeto que a transformou em um parque. Ambiências diversas foram criadas na extensão do parque linear, que apresenta situações particulares por estender-se por entre os edifícios, a certa altura, incluindo um momento em que atravessa um dos edifícios.

Como terrain vague e como heterotopia, o projeto da High Line operou uma mutação: na paisagem, na história, a ferrovia que figurava como uma cicatriz, passa a fazer parte do circuito de lazer e cultura não só dos moradores, mas de um grande número de turistas, que podem agora utilizar-se dela como um elemento na paisagem e em uma relação mais conectada, percorrendo sua extensão que revela em diferentes alturas e cenários, outras perspectivas da metrópole. Diz o coordenador de planejamento:

Com a abertura da segunda sessão da High Line, pedestres poderão atravessar 19 blocos, de bairro em bairro, sem entrar em contato com um único veículo, enquanto pode avistar a cidade de um ponto vantajoso (HIGH, 2011, p. 2, tradução nossa).

Fig. 1: High Line, Nova York. Fonte: David Shankbone. Disponível em: https://www.flickr.com/photos/shankbone/14082063968 Acessado em 24 10 2016.

Apesar das contradições relativas à valorização do solo entorno ao percurso da High Line, sua intervenção atinge um ponto crucial no que diz respeito à mobilidade urbana e às transformações políticas e tecnológicas que atingiram os sistemas de transporte: à obsolescência da estrutura ferroviária (devido a razões paralelas à questão enfocada aqui), foi superposta uma estrutura para pedestres. Ainda que não seja mais parte de um sistema de transporte, sua adaptação para uso cotidiano e coletivo dos visitantes a pé (e não motorizados, como destacado na citação acima) marca a demanda desses espaços num contexto de densidade metropolitana.

Em outro contexto, no sul da Alemanha, também o uso pedestre e de espaço de encontro marca a transformação, ainda que de forma mais pontual, em uma estação de metrô distante de uma malha urbana que já apresentasse esse uso e características. A estação de metrô Eichbaum encontra-se aos pés da rodovia que conecta as cidades de Essen e Mulheim, em um contexto urbano dissecado por estradas e linhas de metrô. Foi construída na década de 1970 em um nó de conexão entre cidades industriais alemãs que entraram em declínio e deixaram espaços residuais que apresentavam alto índice de violência.

A intervenção foi projetada pelo Coletivo Raumlabor, um escritório alemão de arquitetura, situado em Berlim, cujo trabalho permeia as áreas de arquitetura, planejamento urbano, arte e intervenção urbana, de maneira colaborativa. O foco de seu trabalho está, no entanto, em situações urbanas conflituosas: locais abandonados que apresentam relevância para o processo de transformação urbana; sobreposição de sistemas, tempos, propostas. No entendimento de que a renovação urbana ocorre de maneira processual, o grupo enfrentou o projeto da estação de metrô com medidas de intervenção simples, porém significativas, transformando-a temporariamente em um palco para óperas populares sem parar seu funcionamento.

A proposta surgiu da necessidade identificada pelos arquitetos de dar um uso à estação, e que estivesse conectado com a população local. Foi instalado um grande letreiro no topo da estação com a inscrição “EichbaumOper” (Ópera da Eichbaum) e construída uma arquibancada e um pequeno centro de apoio com containers. Além disso, foram organizados workshops para coletar histórias que seriam contadas nas óperas, e por um período os arquitetos se mudaram para o local para interagir com os jovens e produzir música e grafite. Foram feitas parcerias com teatros nas redondezas para que fossem iniciados ensaios na própria estação de metrô, para que as pessoas que estivessem passando por ali se inteirassem do projeto. A completa subversão da estação teve um impacto positivo na área, no sentido de diminuir a insegurança através do incentivo ao uso e à ocupação.

Fig. 2: A estação de metrô adaptada para funcionar como palco para óperas: uma arquibancada e um pequeno conjunto de contêineres foram as intervenções construídas necessárias. Fonte:  Rainer Schlautmann, 2009. Disponível em http://raumlabor.net/eichbaumoper/. Acessado em 24 10 2016.

Nos dois casos analisados acima, o nível de intervenção construtiva foi variável e determinante para suas atividades: de um projeto de renovação complexo em Nova York para uma pequena estrutura de apoio às atividades, na Alemanha. No próximo exemplo, no entanto, a intervenção é ainda menor: em Madureira, no Rio de Janeiro, acontece uma apropriação polivalente de um viaduto em uma localização chave: próximo à estação de trem de Madureira e do popular Mercadão de Madureira. O Viaduto Negrão de Lima abriga a sede da CUFA (Central Única das Favelas), uma organização criada por jovens de várias favelas do Rio de Janeiro, em busca de espaços para expressar sua identidade, através principalmente da música e da dança Hip Hop. Ali passaram a ser oferecidas oficinas, atividades culturais e esportivas (no Centro Esportivo e Cultural da CUFA, inaugurado em 2006), além do famoso Baile Charme, que acontece aos sábados, e tornou-se um caso emblemático de manifestação cultural em um espaço público da cidade e reforça a tradição da cultura negra no bairro, que já abrigava as escolas de samba Portela, Império Serrano e Tradição, além do Jongo da Serrinha, ONG também ligada à cultura. A dança, a música e o figurino são particulares ao Baile, que ganhou visibilidade ao ser retratada na telenovela “Avenida Brasil” em 2012. Além disso, uma vez por mês acontece durante a noite o projeto de jongo e ciranda Companhia de Aruanda, e, durante o dia, a área é ocupada por camelôs.

Ao analisar a influência do hip-hop na ressignificação do uso do viaduto, Coelho e Takaki (2008, p. 131) também trazem o conceito de “não-lugar” para caracterizar a condição inicial em que se encontrava a parte inferior da estrutura, como um espaço de passagem sem valor de permanência ou identidade para a população:

Importante ressaltar que o “não-lugar” se estrutura por pessoas em trânsito que não criam identidade com este, e é neste sentido que o Viaduto Negrão de Lima, mais conhecido como Viaduto de Madureira inaugurado na década de 1960, tem sua parte inferior entre as linhas de trem das estações de Madureira e Magno (conhecida também como Estação Mercadão de Madureira), caracterizada como um simples espaço público de passagem espaço residual, e que encontra, em parte, re-significação através da atuação Movimento do Hip-Hop (COELHO; TAKAKI, 2008, p. 131)

Com a implantação das atividades culturais, o viaduto consagrou-se como um espaço mutável por excelência: a atividade, seja cultural, de lazer ou esportiva, muda de acordo com o dia da semana ou a noite, e estabelece com a sua estrutura uma relação epífita, uma vez que para que as atividades ocorram não é necessária interferência dos veículos que passam por cima do viaduto - mas o fato de a pista cobrir uma área extensa é fundamental. Novamente, a subversão do espaço o transformou fisicamente, culturalmente e socialmente; um viaduto que poderia configurar mais um espaço intersticial na cidade, ganhou vida através de manifestações culturais públicas.

Fig. 3: Baile Charme. Fonte: Isabela Kassow/Diadorim Ideias, 2014. Disponível em http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/baile-charm-2#prettyPhoto. Acessado em 22 10 1016

Considerações finais

Com efeito, é necessário compreender que o acesso à cultura universal deve ser combinado com a valorização dos processos criativos dos grupos e movimentos culturais da comunidade, para que a sua experiência, o seu saber e a sua visão de mundo interpenetrem o tecido social e gere uma nova qualidade de vida, diferente da aridez da “modernidade” impulsionada pela homogeneização cultural (COELHO; TAKAKI, 2008, p. 127).

É importante ressaltar que os três casos tocam no tema da mobilidade urbana, e não é senão por seu estado inicial de abandono - da estrutura, no caso da High Line, ou do local pela baixa circulação de pessoas no local, como nos casos de Munique e de Madureira – mas ao mesmo tempo de importância para a região, que surgiram demandas de transformação. Nesse processo, a circulação motorizada de massas, tão cara à dinâmica metropolitana, deu lugar ao convívio de pedestres, tencionando escalas em pequenas ações de intervenção.

Se, em tempos difíceis, boas notícias trazem ventos de lucidez e incentivo à resistência, bons projetos alimentam a importância da intervenção em escala local mesmo dentro escala metropolitana. Quando fruto de ação coletiva, esse aspecto é ainda mais destacado. Ainda que em contextos bastante distintos, os três exemplos analisados ilustram situações em que a subversão de usos transformou estruturas e espaços urbanos obsoletos ou residuais, modificando a relação dos usuários com esses espaços, e possibilitando a criação de uma nova paisagem.

Antes espaços simbolicamente marginais, assumiam caráter da heterotopia de um projeto de mobilidade urbana que sobrepunha estruturas de forma conflitante, e constituíam vazios urbanos semelhantes aos terrain vague em sua determinação espacial. Nesse sentido, destacam-se pela experiência estética que oferecem, ao reivindicar uma nova dimensão urbana para os locais de intervenção, e ressaltam, na condição urbana metropolitana, possibilidades de intervenção a partir do uso. Foram espaços produzidos através de sua apropriação, e confirmados pela intensa reintegração desses espaços a seus contextos.

Esse tipo de espaços poderá estar sempre presente em contextos urbanos, uma vez que falam dessa condição de não-planejamento ou de inadequação, característicos do ambiente complexo que a cidade em escala metropolitana apresenta. Nessas intervenções, em que pode acontecer uma mudança significativa através de pouca construção, é o planejamento urbano convencional que deve ser questionado, pois tais espaços apresentam caráter de memória, sobreposição de atividades, ausências e ambiguidades que fazem parte de sua essência; e mostram que o alcance à experiência urbana é mais sutil e permite uma multiplicidade de releituras.

Referências

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BANHAM, R. Teoria e projeto na primeira era da máquina. São Paulo: Perspectiva, 1979.

COELHO, G.; TAKAKI, E. A experiência da Ação Cultural Hip-Hop sob o Viaduto de Madureira no Rio de Janeiro. Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo e Urbanismo, n. 8, 2008.

FOUCAULT, M. Outros espaços. Architecture, movement, continuité, n. 5, out. 1984, p. 46-49.

MENDES, A. C. Transdisciplinaridade na construção dos territórios públicos urbanos: conversões. Elevado Costa e Silva (SP) e High Line (NY). Vitruvius, São Paulo, ano 14, n. 160.02, nov. 2013. Disponível em:<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.160/4945 >. Acesso em: 09 jun. 2014.

MEYER, R. Atributos da metrópole moderna. São Paulo em Perspectiva: Revista da Fundação SEADE, São Paulo, n. 4, v. 14, out.-dez. 2000.

SOLÀ-MORALES, I. Presentes y futuros: La arquitectura en las ciudades. Catálogo do XIX Congresso da UIA, 1996, p. 10-23.

SOLÀ-MORALES, I. Terrain vague. 2012. Tradução Igor Fracalossi. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-35561/terrain-vague-ignasi-de-sola-morales >. Acesso em: 09 jun. 2014.

VIRILIO, P. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

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Metropolitan mutations: road system structures as place of appropriation, reinvention and use in the contemporary city

Luísa Gonçalves

Luísa Gonçalves is Master in Theory, History and Critic of Architecture and researcher at the Faculty of Architecture and Urbanism, University of Sao Paulo, Brazil. She studies the relationship among architecture, city, public space and infrastructure, collective use spaces at Sao Paulo metropolitan area.


How to quote this text: Gonçalves, L., 2016. Metropolitan mutations: road system structures as place of appropriation, reinvention and use in the contemporary city. V!RUS, [e-journal] 13. [online] Available at: <http://143.107.236.240/virus/virus13/?sec=4&item=4&lang=en>. [Accessed: 21 December 2024].


Abstract:

This paper analyses urban road structures that have undergone transformations of appropriations different from what they were originally designated, with focus in three viaducts. Subversions of use, incorporation of architectural structures to existing contexts, and multiple relationships between circulation and permanence contribute in order that the contemporary metropolis offers a particular aesthetic experience. The possibility of facing the unknown and occupying public spaces rescue the notion of city as a place of exchanges, freedom and unpredictability. Concepts of heterotopia and terrain vague are discussed in the approach to interstitial spaces, of the "non-places", and infrastructures in relation to the metropolitan context. The work analyses three viaducts located in distinctive contexts: the High Line in New York, the Eichbaum Oper in Munich, and the Madureira viaduct in Rio de Janeiro. In difficult times, they are signs of power of simple but precise interventions, and of the relationship between the local popular organization and the implanted projects. In common they share the initial situation of interstitial space and the interventions that transformed them into spaces of collective use, with an intense and particular relationship between the public and urban space.

Keywords:: Road structures; Infrastructure; Metropolis; Contemporary city; Public space.


Introduction: places at the edge

This article discusses urban structures that have undergone transformations in its original condition, their processes of reinvention and repercussions. This situation can start from several points, be it from the abandonment of the structure or from a need for appropriation of a remaining space. We are interested in highlighting these places and pointing out these experiences as successful in creating spaces for welcoming, fostering their appropriation as public spaces, for the collective use of the population of these places; Cases which are well received by the population.

The cases present in common the demand to incorporate the city spaces that were disconnected in the sense of its use from the context of its environment. In this sense, they appeared as space emptied of meaning and occupation, which refers to the concept of terrain vague, presented by the Spanish architect Ignasi de Solà-Morales. According to this author, from the decade of 1970 on, this "obsolete" place gains the attention of photographers in search of an atypical urban landscape, out of the apotheotic model of architectural objects or large metropolitan infrastructure (SOLÀ-MORALES, 2012, p. 02). In the work of John Davies, David Plowten, and Olivio Barbieri, for example (some of the photographers mentioned by the author), residual places emerge in the city, as strange relationships between production and obsolescence, inviting the city’s inhabitant to confront himself with the unproductive, imprecise, uncertain, but nonetheless urban. Solà-Morales uses various etymological roots to define the term terrain vague, ranging from the precise urban land extension of a "land" to fluid concepts of vacant, vague, available, empty, imprecise, indeterminate. Though contradictory and conflicting, the term also relates to the city’s spirit of modernity’s beginning, when the unpredictable was unveiled in the urban space, which fed the bohemian spirits and the habit of strolling:

The romantic imagination that remains in our contemporary sensibility is nurtured by memories and expectations. Foreigners in our own country, strangers in our town, the metropolis habitant feels the spaces not dominated by architecture as a reflection of its own insecurity, its vague ramble through unlimited vacant spaces that, in its position outside the urban system, of power, of activity, constitute, at its turn, physical expression of its fear and insecurity, but also an expectation of the other, the alternative, the utopian, the future. (SOLÀ-MORALES, 2012, p. 04, emphasis added).

The negative, empty and unproductive space, inside the metropolis’ intense production system exposes the inability to plan and occupy orderly all the territory in the same way that sculptors, photographers, contemporary artists have found places in the city to expand their expression, outside controlled boundaries and limited freedom of the metropolis, may also architects feed themselves of this condition and produce spaces that absorb this subject and the needs of their time. The established relation between inhabitant-space which emerges cannot be previewed, constituting a rich process: the city is built like a palimpsest, in tangled layers of urban texts, overlapping temporalities in different appropriations.

Metropolis, circulation and permanence

Mobility infrastructure

Throughout the transformations in transportation systems, some incompatibilities appeared between road structures and urban contexts. The presented cases point to three types: in relation to transition of models - with the resulting abandonment of railway structures as in the case of New York; in relation to scale, when the structure does not follow the consolidation of an urban context, as in the German case; or when the structure overpasses existing urban areas without articulation between them, as in the case in Brazil. In all situations, the voids created by these incompatibilities remained for some time in this state, before their incorporation to urban life through, notably, the creation of conviviality spaces.

The increase of population in urban areas – the beginning of the urbanization process that culminates in the metropolis - appears in several narratives that discuss the scenario of confrontation of the "modern man" with the crowd spread through the streets of the city, as they saw daily life transforming by increasingly strong industrial development. The modernization enters the 20th century and the machine is claimed as man’s ally in the process of society’s development, reflected also in urban design and in housing projects. Reyner Banham (1979, p. 384) remembers too that in "Vers une architecture" Le Corbusier "begins choosing what appears to be at first glance only a secondary consideration in the planning of cities: straight paths versus curved ones". The relationship of Le Corbusier and architects of his generation with the machine and the development of civil construction and engineering in the early 20th century is more complex and has surpassed numerous areas of his design and theoretical work. Analysing this First Age of the Machine, however, Banham (1979, p. 17) points out that this development between "futuristic and academic dynamism" featured this first phase, but that many ideas and aesthetics of this time still persist in the Second, meaning that the "cultural revolution that occurred around 1912 was surpassed, but was not reversed.”

The state of crisis that hit most American cities in the late 20th century brought with it a change in the general approach to the metropolis theme. The progressive and developmental spirit that marked most of the XX century gave place to a more critical view of the congested city that coexists with increasingly intensified traffic jams, and situations of housing and basic infrastructure crises. The "modern metropolis" gave place to the "contemporary metropolis", reinforcing its character of expression of capital’s spatial production. According to Professor Regina Meyer (2000, p. 4, emphasis added by the author) "everything that 'gets' shape in metropolitan life expresses the relations established in all its spheres of social and productive life, becoming expression and not a reflection of these relations." The contemporary metropolis, associated with information society, is imputed the "dissolution of the territorial, functional and spatial traces of the modern metropolis". This definition is also used by Paul Virilio (1993, p. 12), which relates urban boundaries to the symbol of ancient cities doors, explaining that "if, despite promises of postmodern architects, the city is deprived of doors from now on, it’s very urban limits have enabled an infinity of openings, breaks and closings”.

Mobility and location

In this context of fuzzy perimeters, both authors point out to the support that infrastructure systems offer as locators, aggregators, not only guiding principles but elements with a nodal characteristic. Thus, Virilio (1993, p. 16, capitalization emphasis by the author, italic) places transport and transmission systems in a same structural level, to the detriment of the representative effect which, as explained above, is assigned to the monument: "today is even more likely that what we call URBANISM is composed/decomposed by these transfer system, of transit and transmission, these network of transportation and transmigration whose immaterial configuration renews that of cadastral organization, that of building of monuments". Meyer also brings as an important aspect of the contemporary metropolitan organization the role of activity nodes generated by infrastructure systems:

To work around these difficulties and get an approximation of the new urban order and in order to the dilution’s degree of activities in the territory and in the urban space does not remain as an obstacle to our perception, it’s possible to make use of a methodological resource based on the combination of aspects of metropolitan life: to consider that the organization – formal and functional – of the contemporary metropolis is set simultaneously by metropolitan infrastructure systems, by the nodes that support society’s activities in the territory and by their daily shifts within and its territories and spaces. (MEYER, 2000, p. 4, emphasis added)

During the intense metropolitan urbanization process (especially in the case of Brazil), the mobility infrastructures were configured as rough and significant urban interventions, justified by growth models that in many cases favoured the circulation of automobiles. Monumental structures of bridges and viaducts have become outdated and degraded with the abandonment of that planning vision and by revision of the problem of metropolitan circulation, sometimes replaced by other types of transport systems. Besides the bearing structures themselves, transitional spaces begin to give form to an intense movement of passage and circulation through the city, in the abstract architecture of terminals and stations that would at first aim only support the flow. In the late twentieth century, these spaces began to appear in specialized critics, mainly linked to the problem of large cities and metropolises, global cities and the substantial increase of movement of persons.

Passage and permanence

In 1996, at the opening speech of the International Congress of architects, the architect and critic Ignasi de Solà-Morales acknowledges the limitations of Architecture to promote solutions to urban contexts as a whole. With a provocation on the need to think of new categories of analysis for the recent architectural phenomena, Solà-Morales will explore five situations that the discipline faces in the face in new situations. One is concerned about spaces of flows, of transition, to mobility:

Not a flow - such as the road or the telephone - but the juxtaposition of a multiplicity of flows is the first realization that the reality in which we live is formed by meshes that accumulate interconnections before which the idea of simple driving or via is reductive and insufficient. (...) That these forms of interconnection are international or, as we have said recently, global, extended to everything throughout the world, part of the experience, also specific in the last thirty years, that information and transportation flows no longer exclude any part of the world from their networks. Cities and architecture do not escape this situation, on the contrary, they constitute the nodal places in which this global interaction finds the most powerful interconnections. (SOLÀ-MORALES, 1996, p. 13, our translation)

About this kind of project, there is also the important interpretation of the anthropologist Marc Augè, that, when analysing transport stations and spaces whose main theme is the flow of passengers, coined the concept of "non-place" as "both facilities necessary to accelerated movement of persons and goods (express roads, roadblocks, airports) as well as the means of transport itself or the large shopping centers" (AUGE, 1994, p. 36). This concept is doubly important here: it embraces the category of spaces of flows and transition, but also about the unfolding of the notion of place in the realm of human relations.

In his definition, Augè (1994, p. 54) explains that the "non-places" hosts the movement of goods and people, disrupt the connection of the habitant with the territory, and distanced themselves from a historical dimension of the city. The author denounces in relation to "non-places" the absence of non-programmed spaces; as they are regarded as places of transition, specific platforms targeting a specific activity (mostly of displacement), however, if the "non-places" of the supermodernity preaches the impersonal by means of fragmentation mechanisms and space specification, the approach of individuals causes a short circuit in the system. At the presented cases, the appropriation of both the road structures and the metro station transform the space by use, gaining new dimension and meaning.

Appropriation and reinvention

In Foucault’s conception (1984), once surpassed the heterotopias of crises (places reserved for individuals in crisis situation in relation to their community), we deal with the heterotopias of deviation in the city, those spaces that are home to people in conflicting situations with the pre-established social norm (nursing homes, psychiatric clinics, prisons, etc.). The cases presented here operate within a specific aspect of the city: mobility. If the purpose of its construction, in all cases, was to connect people and places – through the railroad, subway station or the viaduct –for different reasons they went through a process of degradation, of its own structure or creating vacuums, voids without movement of people, adequate lighting, conforming situations of little urbanity.

These spaces can be read as places otherheteros – in relation to its surrounding, through the conflict between structure and urban context and also the conflict of use, the separation between vehicles’ and pedestrians circulation. Their appropriation, adaptation and transformation, however, removed them again from a place of estrangement, reconfiguring its logic of use and relocating them, though temporarily, in its quality of appropriation.

In New York, the High Line railway structure was considered like a scar that crossed old industrial neighborhoods of the city. Built to transport goods and abandoned for more than forty years due to the change of economic cycles (MENDES, 2013), it was through the residents union, who conducted a study based on its possible reuses, that an architecture competition for the project was promoted, turning it into a park. The extension of the linear park created various environments presenting particular situations by extending itself in between the buildings, including, at one point, a moment when it crosses one of the buildings.

As terrain vague and as a heterotopia, the High Line project has operated a transformation: in the landscape, in the history, the scar-like railroad becomes part of the circuit of leisure and culture not only of the residents, but a large number of tourists who can now use it as an element in the landscape and in a more connected relationship, displaying its extension, which reveals other perspectives of the metropolis at different heights and scenarios.

With the opening of the second session of the High Line, pedestrians can cross 19 blocks, from neighbourhood to neighbourhood, without being in contact with a single vehicle, while you can see the city from a privileged point", says the Planning Coordinator. (Diller Scofidio + Renfro published in Vitruvius portal Projects. VITRUVIUS PORTAL, 2008, p. 02).

Fig. 01: High Line, Nova York. Source: David Shankbone. Available at: https://www.flickr.com/photos/shankbone/14082063968 Acessed on 24 10 2016.

Despite the contradictions regarding the valuation of the soil around the course of the High Line, the intervention reaches a crucial point regarding urban mobility and on political and technological transformations that reached the transport systems: the obsolescence of the railway structure (due to reasons aside those addressed here) was overlaid a pedestrian structure. Although no longer part of the transportation system, its adaptation to pedestrians’ everyday use (and non-motorized, as highlighted in the above quote) marks the demand for these kind of spaces in the context of metropolitan density.

In another context, in southern Germany, the use of pedestrian space and meeting places also marks the transformation of a subway station away from an urban context that could already present this usage and features, albeit more punctually than the High Line case. The Eichbaum subway station is at the base of the highway that connects the cities of Essen and Mülheim, in an urban context dissected by roads and subway lines. It was built in the 1970 in a connection node between German industrial cities that went into decline, and left residual spaces that presented high rates of violence.

The intervention was designed by the Raumlabor Collective, a German architecture office located in Berlin, whose work trespasses the fields of architecture, city planning, art, and urban intervention, in a collaborative way. The focus of their work is, however, in conflicting urban situations: abandoned locations relevant to the process of urban transformation, overlapping systems, velocities, and proposals. By understanding that urban renewal occurs procedurally, the group faced the subway station project with simple but significant intervention measures, temporarily transforming it in a stage for popular operas without halting its operation.

The proposal presented itself by the architects as to give a use to the station, and which would be connected with the local population. A big outdoor was installed at the top of the station with the inscription "EichbaumOper" (“Eichbaum” Opera) and it was built a grandstand and a small support center with containers. In addition, workshops were organized to collect stories that would be told during the operas, and for a time, the architects moved to the site to interact with the young people and create music and graffiti. Partnerships were made with theatres nearby to start rehearsing at the subway station itself, so that the people who were passing by would learn about the project. The complete subversion of the station had a positive impact in the area, In order to reduce insecurity by encouraging use and occupation.

Fig. 02: Subway station adapted to function as a stage for Opera: a grandstand and a small set of containers were the built interventions needed. Source: Rainer Schlautmann, 2009. Available at http://raumlabor.net/eichbaumoper/. Acessed on 24 10 2016.

In both cases analysed above, the level of constructive intervention was variable and determinant for their activities: from a complex renewal project in New York to a small structure of support of activities in Germany. In the next example, however, the intervention is even smaller: in Madureira, in Rio de Janeiro, there is a multi-purpose appropriation of a viaduct in a key location next to the train stations of Madureira and the popular Mercadão de Madureira. The Viaduct Negrão de Lima is home to the headquarters of CUFA (Central Única das Favelas), an organization created by young people from various shanty towns of Rio de Janeiro, in search of spaces to express their identity through, mainly, hip-hop music and dance. There, workshops, cultural and sports activities were offered (at the Sports and Cultural Centre in the CUFA, opened in 2006), as well as the famous Ball Charm, which happens on Saturdays, and became an emblematic case of cultural expression in a public space of the city. It reinforces the tradition of black culture in the neighborhood, which already housed samba schools Portela, Serrano Empire and Tradition, as well as Jongo da Serrinha, an NGO also linked to culture. The dance, music and costumes are particular to the ball, which gained visibility when portrayed in the telenovela "Avenida Brasil" in 2012. In addition, once a month the jongo and ciranda project “Companhia de Aruanda” takes place and, street vendors occupy the area during daytime.

By analysing the influence of hip-hop in reframing the use of the viaduct, COELHO and TAKAKI (2008, p 131) also bring the concept of "non-place" to characterize the initial condition it was the lower part of the structure, as a place of transition without permanence or identity value for the population:

It is important to note that the "non-place" is structured by people in transit that do not create identity with the place, and it is in this sense that the Negrão de Lima viaduct, better known as “Viaduto de Madureira” opened in early 1960, has its bottom part between train lines from Madureira13 and Magno14 (also known as the Station Mercadão de Madureira), characterized as a simple public space transition, residual space, and that encounters, in part, re-signification through the hip-hop Movement. (RABBIT and TAKAKI, 2008, p. 131)

With the implementation of the cultural activities, the viaduct has consecrated itself as a changeable space par excellence: the activity, whether cultural, leisure or sports, changes according with the week day or at night, and establishing an epiphyte relationship with its structure, once those activities do not interfere with the vehicles above - but the fact that the car lane covers a wide area is fundamental. Again, the subversion of space has transformed it physically, culturally and socially; an overpass that could set up another interstitial space in the city came to life through cultural events.

Fig. 03: Ball Charme. Source: Isabela Kassow/Diadorim Ideias, 2014. Available in: http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/baile-charm-2#prettyPhoto. Acessed on 22 10 2016.

Final considerations

Indeed, it is necessary to understand that access to universal culture must be combined with the appreciation of the creative processes of groups and cultural movements of the community, so that their experience, their knowledge and their view of the world interpenetrate the social fabric and generate a new quality of life, different from the dryness of "modernity" driven by cultural homogenization (RABBIT and TAKAKI , p. 127).

It is important to emphasize that the three cases touch on the theme of urban mobility, and it is only by its state of abandonment - of the structure, in the case of the High Line, or the place because of low circulation of people, as in the cases of Munich and Madureira, at the same time of importance for the region, that demands for transformation have emerged. In this process, the motorized mass circulation, so dear to the metropolitan dynamics, gave way to the conviviality of pedestrians, intence scales in small intervention actions.

If, by difficult times, good news bring winds of lucidity and incentive to resistance, good projects feed the importance of intervention on a local scale even within a metropolitan scale. As a result of collective action, this aspect is even more in evidence. Although in very different contexts, the three analysed examples illustrate situations where the subversion of uses has transformed obsolete or residual urban structures and spaces, modifying the relationship of users with these spaces, and allowing the creation of a new landscape.

Formerly symbolically marginal spaces, they assumed the character of the heterotopy of an urban mobility project that superposed structures in a conflicting way, and constituted urban voids similar to the terrain vague in their spatial determination. In this sense, they stand out for the aesthetic experience that they offer, when claiming a new urban dimension for the places of intervention, and emphasize, in the metropolitan urban condition, possibilities of intervention from the use. The spaces were produced through their appropriation, and reaffirmed by the intense reintegration of these spaces to their contexts.

This kind of space could always be present in urban contexts, since they speak of this condition of non-planning or of inadequacy, characteristics of the complex environment that the city in metropolitan scale presents. In these interventions, where a significant change can occur through little construction, it is conventional urban planning that must be questioned, since such spaces have a character of memory, overlapping of activities, absences and ambiguities that are part of its essence; and show that the reach to the urban experience is more subtle and allows a multiplicity of re-readings.

References

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Coelho, G., Takaki, E. A experiência da Ação Cultural Hip-Hop sob o Viaduto de Madureira no Rio de Janeiro. Risco: Revista de Pesquisa em Arquitetra e Urbanismo e Urbanismo. nº8, 2008.

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Mendes, A. C. Transdisciplinaridade na construção dos territórios públicos urbanos: conversões. Elevado Costa e Silva (SP) e High Line (NY). Minha Cidade, São Paulo, ano 14, n. 160.02, Vitruvius, nov. 2013. Available at: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/14.160/4945>. Acessed on 09 jun. 2014.

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Solà-Morales, I. Presentes y futuros. La arquitectura en las ciudades. XIX UIA Congress Catalogue, 1996, p. 10-23.

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Virilio, P. O espaço crítico e as perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

HIGH Line Section 2. Vitruvius, São Paulo, ano 11, n. 126.04, Jun. 2011. Available at: <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/projetos/11.126/3931> . Accessed 09 jun 2014.